É um fato que o
acesso ao ensino superior foi democratizado no Brasil nos ultimo 10 anos. Mas
em que medida a inclusão de mais negros, pardos e estudantes de escola pública
em geral se traduziu em uma mudança na produção de conhecimento? Em que lógica
esses grupos foram incluídos nas Universidades? O sentido das ações afirmativas
como meio para promoção de justiça histórica e descolonização depois de uma
década esta se cumprindo?
É tempo de avaliar
para avançar. É fato também que a democratização do acesso as Instituições de
Ensino Superior (IES) não garante a permanência dos cotistas nem tampouco o
aproveitamento completo da experiência universitária. A realidade das
Universidades hoje é de trabalhadores estudantes e as especificidades desse
novo público precisam ser consideradas como adversidades a serem superadas pelo
conjunto da sociedade para construção de uma nova agenda do trabalho que
aponte para a redução da jornada e o aumento substancial do tempo de estudo dos
jovens brasileiros.
Em que medida os
trabalhadores estudantes estão inseridos nas pesquisas acadêmicas? A formação é
a mesma que o estudante não cotista?
As respostas
negativas para as duas perguntas surtem efeito no ingresso na participação do
cotista na produção do conhecimento e no ingresso na pós-graduação. É nessa
parte da academia onde há uma grande peneira social e diversas barreiras a
entrada que fica o “doce fino” que ainda não tivemos acesso e sem o qual nada
mudaremos na inteligibilidade e trajetória das Universidades. Existe um
programa de iniciação cientifica chamado “PIBIC das Ações Afirmativas”, em
vigência em varias universidades do país, mas em um volume muito pequeno. Será
que o cotistas não quer fazer iniciação cientifica? Será que a vontade de fazer
mestrado e doutorado só existe em uma parte dos estudantes?
A questão que está
colocada é que a peneira social da pós-graduação tem diversas facetas: a língua
estrangeira que não é facilmente obtida; a participação em iniciação científica; os processos seletivos caros e espalhados pelo país; os processos
de apadrinhamento na seleção de projetos, etc. Há cursos onde há um
processo unificado de seleção, um exame nacional, uma prova que pode ser feita
em lugares diferentes do país e servem para seleção em uma diversidade de
Universidades, como a ANPEC – prova dos cursos de Economia que custa em média
$300,00 a inscrição. Mas há cursos como os da área de Serviço Social que
cada Universidade tem seu processo seletivo, com o custo alto, com submissão de
projetos e a dificuldade de acesso inviabiliza a participação do cotista desde
a seleção. Por tanto o eixo das ações afirmativas na pós-graduação é urgente.
Esse ainda é um espaço reservado para a elite dentro das universidades.
Sem a compreensão
de que o sentido das ações afirmativas é mais que popularizar o ensino superior
nos moldes que ele foi formado no Brasil, sem garantir o ingresso na
pós-graduação, sem acesso a pesquisa e a produção conhecimento não haverá
contra hegemonia nas Universidades. Haverá mais do mesmo conhecimento produzido
majoritariamente sob universos e lógicas dos grupos étnicos-raciais e econômicos
dominantes. Trata-se de mais que garantir a permanência do Cotista na
graduação. Trata-se de entender que estamos construindo um novo processo de
educação para superar séculos de desumanização e exploração. Um processo de
educação contínuo e emancipador capaz de eliminar a hierarquia social que
determina quem tem acesso ao quê na sociedade.
Elen Coutinho
Economista, Pesquisadora CNPQ
Coletivo Crioulo